- Grandes merdas.
E foi assim que eu conheci Gabriela, quando, num ímpeto de pudor que eu bem sabia não ser meu, procurei o emissor dessa interjeição tão corriqueira, mas que, no momento, me pareceu demasiadamente inesperada. Então vi. Vi oscabelos castanhos aparados antes dos ombros estreitos de menina não crescida ainda. Vi a pele também castanha, indicando a composição mestiça daquele corpo pequeno e frágil. Mas acima de tudo, vi os olhos, do mesmo tom, com um brilho de sabedoria, astúcia e malandragem típica da idade.
Gabriela não era bonita, comparada às outras meninas da classe. Ao invés das roupas apertadas, acentuando curvas ainda em formação, Gabriela vestia calças jeans euma camiseta larga, cor de rosa. Rosa choque, rosa forte. Gabriela ia tão além daquele rosto pequeno entre tantos corações pequenos.
Durante as aulas, a cabeça pairava tão longe das orações subordinadas... Gabriela tinha a alma tão grande que achava que o mundo não era capaz de lhe suportar. E foi assim que, ao lhe explicar pela terceira vez a importância que eu nem acreditava mais que tinham as orações subordinadas que Grabriela soltou um "grandes merdas". Assim, sem querer. mas sincero.
Corou e quase corei também, não estivesse tão acostumado a reações semelhantes. Mas vindas de Gabriela, a frase soava diferente. Soava como um apelo de uma alma aprisionada no subúrbio não asfaltado da cidadezinha de merda que sufocava sonhos. E concordei. Grandes merdas. Grandes merdas as subordinações para nós que já somos subordinados de tanta falta de esperança. Nós, que nos bastamos em sobreviver.
Naquele momento, Gabriela olhou em meus olhos quase sem notar, e eu vi, quase sem perceber, aquele brilho intenso que seus olhos, quase sem saber, deixavam escapar e que o coração, quase sem acreditar, dizia "falta pouco".
Texto retirado do blog: Café Sem Sal
Um ótimo blog para vc visitar.
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